Elysio: Na verdade, o PHL nasceu sem muita pretenção. Quando resolvi sair de São Paulo e viver no campo, não imaginava mais trabalhar com informação. Depois de muita insistência de meus ex-alunos, resolvi montar um curso de WWWisis através da Web. No perído de 2 anos (1998/2000), mais de 300 alunos no Brasil e exterior concluiram este curso. Um destes meus alunos virtuais, a bibliotecária Hilda Fiuza Renher, de Porto Alegre, até então, usuária do programa EMP©Bireme em MS-DOS e maravilhada com os recursos do WWWisis me sugeriu o desenvolvimento de um programa semelhante ao EMP mas com esta nova plataforma (WWW). Boa parte das rotinas, hoje utilizadas no PHL, eu já havia desenvolvido e utilizava como exemplos no curso de WWWisis. Outras, principalmente a parte de controle de empréstimos, renovação e reservas tiveram que ser escritas. Conclui a primeira versão e passei a distribuí-la gratuitamente com os fontes abertos aos alunos para avaliação, sugestão e críticas. No primeiro mês de avaliação, a biblotecária Hilda apresentou a proposta para seu diretor que nos ofereceu todo o apoio necessário para que pudesse ser testada no servidor Web da UNIRITTER. O resultado da experiência na biblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis foi tão animador que incentivou outros alunos a implantá-lo em suas bibliotecas e já nos primiros meses foram mais de 600 dowloads destes scripts.
Você teve alguma surpresa desde o lançamento do PHL, em 2001? Algum tipo de retorno inesperado, falta de retorno, muitos interessados, poucos interessados, etc.
Elysio: Sim. No inicio, o que mais me surpreendeu foi a quantidade de sugestões que passei a receber por e-mail, provando que a estatística de downloads não significava apenas curiosidade em conhecer o programa. As bibliotecas o estavam utilizando! Senti a responsabilidade e cada sugestão era analisada e se pertinente era imediatamente incorporada e distribuída. Outra grande surpresa foi a quantidade de usuários domésticos (médicos, advogados, dentistas, engenheiros, etc.) que passaram a utilizá-lo na organização de seus acervos particulares. Isto também me surpreendeu.
Poderia citar alguns números quanto ao uso do PHL?
Elysio: Por ser um programa distribuido livremente, sem nenhum controle, é difícil estimar de forma precisa a quantidade de usuários. Os parâmetros de medida que temos são as estatísticas de “downloads” do programa de instalação e o “feedback” nos e-mails com dúvidas e sugestões. A versão 7.0, distribuida a partir de jan/2004, vem tendo um índice médio de 350 downloads mensais. A quantidade de bibliotecas usuárias da versão gratuita é estimada com base nos e-mails com perguntas que nos são enviados diariamente. Hoje, no Brasil são mais de 1700 bibliotecas usuárias da versão local e 230 bibliotecas usuárias da versão licenciada (intranet/internet). Temos notícias de uso do PHL na Itália, Romênia, Suécia, França, Espanha, Moçambique, Angola, Portugal, Estados Unidos, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Bolívia, Venezuela e México. Desde jan/2001 até o mês passado (mai/2004) foram mais de 2.500 downloads do programa de instalação. Temos informações de que empresas representantes do Conectiva Linux tem incorporado o PHL e distribuído juntamente com as máquinas vendidas para projetos de bibliotecas públicas estaduais e municipais. Isso tem sido muito gratificante!
Pela qualidade do PHL (tanto em termos de recursos como pela facilidade) eu considero ele muito pouco divulgado entre os bibliotecários, pelo menos aqui em Santa Catarina. Em especial quando consideramos que a versão para uso local é gratuita, o código do software é aberto (permitindo que a biblioteca o adapte como desejar) e que ele seria uma excelente alternativa ao amplamente utilizado WinIsis. O que você considera que falta para uma maior divulgação de sua criação?
Elysio: O PHL nunca foi divulgado na mídia formal. O “colégio invisível” dos bibliotecários usuários foi se incumbindo de divulgá-lo. em sido, literalmente, uma divulgação “boca a boca”. O PHL, ao contrário de muitos produtos, não nasceu com a pretenção de mercado. Nasceu para tentar preencher uma lacuna entre as bibliotecas com escassos recursos (financeiros e de pessoal) interessadas em se modernizar mas impedidas pelo custo aviltante das soluções que haviam na época. Nunca tivemos a pretenção de concorrer ou invadir o mercado destas soluções de alto custo, embora isso tenha ocorrido à revelia. Algumas bibliotecas, mesmo com amplos recursos, tem abandonados estas soluções e passado a utilizar o PHL com o argumento de trás novidades tecnológicas e recursos não previstos nas antigas soluções.
Nos conte como você foi acabar se especializando mais na área tecnológica de nossa profissão, desenvolvendo até um sistema do porte do PHL") ?
*Elysio: Sou bibliotecário, me orgulho disso e sempre me fascinou a idéia do uso no computador como ferramenta para organização e disseminação da informação. Na época de faculdade (EBDSC-São Carlos), tive o privilégio de ter conhecido o Prof. Alfredo Américo Hamar, odiado por muitos colegas de curso por nos fazer “engolir” o livro “Manual da Recuperação Mecânica da Informação” de Allan Kent. Este livro e as idéias “utópicas” do Prof. Alfredo me instigaram e me motivaram para esta área. Logo depois de formado, tive a oportunidade de ser selecionado para participar da automação da primeira biblioteca brasileira (DIDC-IEA) e da instalação das primeiras bases de dados bibliográficas que chegaram ao Brasil (Medline e Nuclear Science Data Base) em 1978 e em 1982 de coordenar uma rede de informações cujo objetivo era a criação de uma base de dados nacional e a produção da primeira bibliografia brasileira, impressa a partir de uma base de dados bibliográfica (SEADE-DOCPOP). Fui me especializando nesta área de forma auto-didata pois não havia na época cursos que contemplavam os problemas que estávamos envolvidos (arquitetura de bancos de dados, estrutura de registros, estrutura de dados, processamento de informação, etc.). Foi um aprendizado árduo, aprendendo com erros e acertos da prática do dia a dia. Foi no SEADE que descobri em 1982 o CDS/ISIS (versão mainframe) trazido do Chile por Abel Packer (Atual diretor da Bireme/OPS/OMS) e o formato UNISIST. Já experiente no ramo, e sofredor no uso de estrutura de dados e registros que “comiam” literalmente as unidade de processamento, memória e disco dos computadores, percebi de imediato o poder desta nova tecnologia. A partir desta data, passei a acompanhar e participar no desenvolvimento de tudo que fosse relacionado a esta tecnologia.
Existe alguma preocupação maior quanto a usabilidade, em especial para possibilitar o acesso de minorias (usuários de outros navegares Web que não o Internet Explorer, de outros sistemas operacionais que não o Windows, deficientes visuais, etc) na confecção do PHL?
Elysio: Sempre houve esta preocupação e a adoção do WWWisis se deu ao fato de ser um gestor de banco de dados, que além de utilizar a estrutura de dados do CDS/ISIS, permitia o desenvolvimento de aplicações utilizando o protocolo HTTP disponível em todos os navegadores conhecidos. A primeira versão do PHL já nasceu compatível com qualquer sistema operacional (Windows, Linux, Unix, FreeBSD, HP-UX, SCO, etc) e com qualquer navegador conhecido (Netscape, Mozilla, Opera, IExplorer, etc.).
Muitas pessoas (entre elas diversos bibliotecários) procuram não publicar seus produtos na Internet com medo do uso que as pessoas vão fazer, de que outras pessoas ganhem dinheiro com este produto, etc. Você teve alguma preocupação quando publicou o PHL na Web?
Elysio: Ao contrário. Vejo a Web como uma grande vitrine para a divulgação da informação e do conhecimento. Quanto maior o número de usuários da versão local do PHL, maior é o número de pessoas que terão interesse em licenciá-lo para uso em redes (intranet/internet). Tenho esta segurança porque sei que o PHL surpreende as pessoas por ser uma alternativa viável, honesta, de baixo custo e de fácil utilização.
Acha que o modelo cooperativo adotado no PHL é melhor para a maioria dos casos de desenvolvimentos de produtos na nossa área, que este modelo de desenvolvimento deveria ser mais adotado pelos bibliotecários brasileiros?
Elysio: O modelo cooperativo utilizado no desenvolvimento do PHL é bastante distinto dos modelos conhecidos de softwares de fontes aberta. Nossos maiores contribuintes no desenvolvimento sequer conhecem qualquer linguagem de programação. São bibliotecários e contribuem com sugestões que afetam o resultado do programa e não os meios a que levam a estes resultado. A riqueza de suas contribuições está na prática do trabalho diário, enviando sugestões de uso concreto e que traduzem em melhorias de uso imediato. Infelizmente, uma porcentagem muito pequena destes usuários dominam a linguagem XML-IsisScript de forma a poder editar os fontes e produzir alguma contribuição. Espero que isso um dia possa acontecer, descentralizando de fato a carga de desenvolvimento que ainda se encontra quase que totalmente centralizada.
Você - e não só - considera o formato MARC obsoleto (inclusive já chegamos a colocar seu texto para discussão aqui: http://www.biblio.crube.net/?p=386). Você vê alguma desvantagem, em relação ao MARC, no formato UNISIST/Unesco adotado pelo PHL? Que motivos você vê para o MARC ainda ganhar tanta atenção (seja como exigência para ser o formato padrão de alguns sistemas para bibliotecas por vários bibliotecários, seja em cobranças em provas de concursos, seja na ênfase dada a ele nas aulas das faculdades de biblioteconomia)?
Elysio: O formato MARC é um dos padrões de registro bibliográfico mais utilizados nas bibliotecas em todo o mundo. Continua sendo ainda adotado, não por sua eficiência e eficácia mas sim para se manter COMPATIBILIDADE. Errôneamente, essas bibliotecas atribuem maior peso à variável COMPATIBILIDADE, que à outras variáveis que realmente mais pesam hoje em dia, como: custo de PROCESSAMENTO TÉCNICO, custos de CAPACITAÇÂO DE PESSOAL e custos de MANUTENÇÃO. Com o avanço da tecnologia de software e de hardware, esses pesos deveriam ser reavalidados. Hoje, com as ferramentas disponíveis para a conversão de dados, o processo de compatibilização de formatos é tarefa para qualquer principiante. O que passa a ter maior peso é o PADRÃO do elemento de dado (metadado), o custo de capacitação de pessoal, o custo de implantação, o custo de operação, o custo de gestão e a versatilidade do formato no desenvolvimento de aplicações para a WEB. A própria “US Library of Congress”, criadora do formato MARC, nos dá este exemplo apresentando aplicações para WEB de seus antigos registros MARC convetendo os para XML.
Em que ’sites’ você procura se informar na área de biblioteconomia?
Elysio: O início de todas as buscas à procura de informações técnicas sempre partem nos buscadores (google e yahoo). Me mantenho atualizado na área de biblioteconomia através de contatos que mantenho diariamente com colegas e através da participação de listas de discussões e foruns.
E fora da Internet, quais são suas principais fontes de informação?
Elysio: Na área de biblioteconomia, são os encontros (seminários, congressos,etc). Infelizmente, a mídia impressa (livros ou revistas especializadas), quando apresenta algum tema técnico, já deixou de ser novidade face à agilidade da internet na difusão daquele tema.
Você citaria alguma novidade na área de biblioteconomia que mereça um destaque? Alguma inovação, uma associação, evento, etc?
Elysio: A grande novidade dos últimos anos, sem dúvida alguma foi a Internet. Vem dia a dia quebrando paradigmas. A internet veio “desencarnar” o conhecimento, desvinculando-o de sua forma material (átomos) a que teve preso durante milênios e o fazendo se manifestar em sua forma espiritual (byte), quebrando desta forma as barreiras de espaço e tempo.
- Alguma pergunta que não fiz e que gostaria de responder?
Elysio: Nenhuma. Achei todas muito pertinentes e gostaria de agradecer a oportunidade dada no manifesto de minhas idéias e experiências neste veículo de grande importância e penetração. Gostaria de encerrar com uma frase do naturalista Charles Darwin que acho que é sempre pertinente:
” Na natureza não são os mais fortes nem os mais inteligentes que sobrevivem e sim aqueles com maior capacidade de se adaptarem às mudanças”